Neste post quero introduzir, na íntegra, o “Manifesto para uma Ciência Pós Materialista”, publicado na plataforma opensciences.org, apresentando-o ao leitor que ainda não está familiarizado com seu importante conteúdo. A razão pela qual se torna premente apresentarmos o “Manifesto” é porque a mudança da visão materialista para a visão pós materialista da ciência é de vital importância para a evolução da civilização humana. Cientistas e acadêmicos pós materialistas não devem temer incluir em seu repertório metodológico o estudo da espiritualidade, a “espiritologia” das experiências espirituais e até mesmo da religiosidade, como muitas Universidades no Brasil e no mundo já estão fazendo nos últimos anos. Tudo isso é essencial e natural à existência humana e à compreensão do corpo, da mente e do espírito, como partes da estrutura central do universo em que vivemos. Baseados nas antigas e milenares práticas corpo-mente-espírito, alteramos a visão que temos de nós mesmos e damos um enorme passo “transmaterial”, “transpessoal” e “transdimensional”, de maneira a podermos compreender melhor essa questão da saúde, a salutogênese, e da doença, a patogênese, sejam elas físicas e/ou psicológicas e/ou espirituais, ajudando, assim, a responder a duas perguntas fenomenológicas existenciais fundamentais: Quem somos nós? Qual o sentido da vida? Um dos signatários do "Manifesto" é um brasileiro, o Prof. Dr. Alexander Moreira-Almeida, titular de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora, uma das maiores autoridades mundiais em Espiritualidade e Saúde. Outros nomes igualmente importantes no meio acadêmico e também signatários do "Manifesto" são Rupert Sheldrake, PhD e Charles Tart, PhD.


Abaixo segue a tradução na íntegra do texto do “Manifesto”:


“Somos um grupo de cientistas mundialmente conhecidos, pertencentes a vários campos científicos (biologia, neurociência, medicina, psiquiatria) que participaram numa Cimeira internacional sobre a ciência pós materialista, espiritualidade e sociedade. A Cimeira foi organizada em conjunto por Gary E. Schwartz, PhD e Mario Beauregard, PhD, da Universidade do Arizona e Lisa Miller, PhD, Universidade de Columbia, Nova Iorque. Esta Cimeira foi levada a cabo no Rancho Canyon em Tucson, Arizona entre 7 e 9 de fevereiro de 2014. O propósito foi discutir o impacto da ideologia materialista na ciência e a emergência de um paradigma pós materialista para a ciência, espiritualidade e sociedade. Chegamos às seguintes conclusões:


    1. O ponto de vista científico moderno está assente predominantemente em suposições que estão estritamente associadas com a física clássica newtoniana. O materialismo – a ideia de que a matéria é a única realidade – é uma dessas suposições. Uma suposição relacionada é o reducionismo, a noção de que coisas complexas podem ser compreendidas ao reduzi-las às interações das suas partes ou a coisas mais simples e fundamentais tais como minúsculas partículas de matéria.


        2. Durante o século XIX, estas suposições afunilaram, transformando-se em dogmas e foram estratificadas num sistema ideológico de crenças que veio a ser conhecido por “materialismo científico”. Este sistema de crenças infere que a mente[1] não é nada mais do que a atividade física do cérebro e que os nossos pensamentos não podem ter quaisquer efeitos sobre os nossos cérebros e corpos, sobre as nossas ações e sobre o mundo físico.


        3. A ideologia do materialismo científico tornou-se dominante no mundo acadêmico durante o século XX. Tão dominante que a maioria dos cientistas começou a acreditar que isso estava fundamentado na evidência empírica estabelecida e que representava o único ponto de vista racional do mundo.


    4. Os métodos científicos baseados na filosofia materialista foram extremamente bem-sucedidos, não apenas no aumento da nossa compreensão da natureza, mas também em trazer um maior controle e uma maior liberdade, proporcionados pelos avanços na tecnologia.


    5. Contudo, a dominância quase absoluta do materialismo no mundo acadêmico restringiu as ciências e dificultou o desenvolvimento do estudo científico da mente e da espiritualidade. A fé nesta ideologia, como um enquadramento exclusivo explicativo da realidade, levou os cientistas a negligenciarem a dimensão subjetiva da experiência humana. Isto levou a uma compreensão distorcida e empobrecida de nós próprios e do nosso lugar na natureza.


       6. A ciência é, primeiro que tudo, um método não dogmático e imparcial de adquirir conhecimento acerca da natureza, por meio da observação, da investigação experimental e da explicação teórica dos fenômenos. (grifo nosso). A sua metodologia não é sinônimo de materialismo e não devia estar comprometida com quaisquer crenças, dogmas ou ideologias em particular.


      7. No final do século XIX, os físicos descobriram os fenômenos empíricos que não podiam ser explicados pela física clássica newtoniana. Isto levou ao desenvolvimento, durante os anos 20 e princípios dos anos 30 do século XX, de um novo ramo revolucionário da física, a que se chamou de mecânica quântica (MQ). A MQ pôs em questão as fundações materiais do mundo ao mostrar que os átomos e partículas subatômicas não são de fato objetos sólidos – não existem, de certeza absoluta, em localizações espaciais definidas e tempos definidos. Mais importante do que isso, a MQ introduziu explicitamente a mente na sua estrutura conceptual de base já que se descobriu que as partículas, ao serem observadas, e o observador – o físico e o método usado para a observação – estão ligados. De acordo com uma interpretação da MQ, este fenômeno significa que a consciência do observador é vital para a existência das ocorrências físicas a serem observadas e que as ocorrências mentais podem afetar o mundo físico (grifo nosso). Os resultados de experiências recentes apoiam esta interpretação. Estes resultados sugerem que o mundo físico não é mais o primeiro ou único componente da realidade e que não pode ser totalmente compreendido sem fazer referência à mente (grifo nosso).


    8. Estudos psicológicos mostraram que a atividade mental consciente pode influenciar de fato o comportamento e que o valor explicativo e previsto de fatores em causa (por exemplo, crenças, objetivos, desejos e expectativas) é muito elevado. Além disso, a pesquisa em psiconeuroimunologia indica que os nossos pensamentos e emoções podem afetar com intensidade a atividade dos sistemas fisiológicos (grifo nosso), (isto é, imunológico, endócrino, cardiovascular) relacionados com o cérebro. Em outros aspectos, os estudos de imaginologia neuronal de autorregulação emocional, psicoterapia e o efeito placebo demonstram que as ocorrências mentais influenciam significativamente a atividade do cérebro.


     9. Os estudos dos chamados “fenômenos psi” indicam que podemos receber, algumas vezes, informação significativa sem o uso dos sentidos e de maneiras que transcendem as restrições habituais do espaço e do tempo (grifo nosso). Além disso, a pesquisa psi demonstra que podemos influenciar mentalmente – à distância – instrumentos físicos e organismos vivos (incluindo outros seres humanos). A pesquisa psi mostra também que mentes distantes umas das outras podem comportar-se de formas que estão relacionadas não localmente, isto é, a hipótese diz-nos que as relações entre mentes distantes não têm um meio (não estão ligadas a qualquer sinal energético conhecido), não são diminuídas (não se degradam com o aumento da distância) e são imediatas (parecem ser simultâneas). Estas ocorrências são tão comuns que não podem ser vistas como anômalas nem como exceções às leis naturais, mas indicações da necessidade para um enquadramento explicativo mais vasto que não pode ser fundamentado exclusivamente no materialismo.


      10. A atividade mental consciente pode ser experienciada na morte clínica durante uma parada cardíaca (grifo nosso) (aquilo a que se tem chamado “uma experiência de quase morte” (em inglês NDE, i.e. Near Death Experience). Algumas pessoas que passam por este fenômeno (em português EQM, i.e., Experiência de Quase Morte), relataram percepções fora do corpo verídicas (percepções que se pode provar coincidirem com a realidade) que ocorreram durante uma parada cardíaca. As pessoas que passaram pela EQM relataram também experiências espirituais profundas durante os fenômenos de EQM, desencadeados pela parada cardíaca. É de notar que a atividade elétrica do cérebro cessa poucos segundos após a parada cardíaca.


    11. Experiências controladas em laboratório documentaram que médiuns proficientes em pesquisa (pessoas que afirmam poder se comunicar com as mentes de pessoas que morreram fisicamente) podem por vezes obter informação altamente precisa sobre indivíduos falecidos. Isto apoia a conclusão, mais uma vez, de que a mente pode existir separada do cérebro (o grifo é nosso).


    12. Alguns cientistas e filósofos, que seguem um ponto de vista totalmente materialista, recusam-se a aceitar estes fenômenos porque não são consistentes com a sua visão exclusivista do mundo. A rejeição da investigação pós materialista da natureza ou a recusa em publicar resultados científicos fortes que apoiam um enquadramento pós-materialista são antiéticos em relação ao verdadeiro espírito do questionamento científico que salienta que os dados empíricos devem ser sempre tratados adequadamente (grifo nosso). Os dados que não se encaixam em teorias e crenças favorecidas não podem ser descartados a priori. Tal renúncia faz parte do reino da ideologia, não do da ciência.


    13. É importante compreender que os fenômenos psi, experiências de quase morte em paradas cardíacas e as evidências de que se pode reproduzir por parte de médiuns de pesquisa credíveis parecem anômalos apenas quando vistos sob as lentes do materialismo.


    14. Além disso, as teorias materialistas não conseguem elucidar como é que o cérebro poderia ter gerado a mente e são incapazes de explicar a evidência empírica referenciada neste manifesto. Esta falha diz-nos que é tempo agora de nos libertarmos dos grilhões e dos antolhos da velha ideologia materialista para alargarmos o nosso conceito do mundo natural e abraçarmos um paradigma pós-materialista.


    15. De acordo com o paradigma pós-materialista:

a) A mente representa um aspecto da realidade tão primordial como o mundo físico. A mente é fundamental para o universo, isto é, não pode ser um derivado da matéria e reduzida a algo de básico.

b) Há uma interconectividade (interligação?) profunda entre a mente e o mundo físico.

c) A mente (vontade / intenção) pode influenciar o estado do mundo físico e operar de maneira não local (ou de maneira extensível), isto é, não está confinada a pontos específicos no espaço tal como cérebros e corpos nem a pontos específicos no tempo, tais como o presente. Como a mente pode influenciar não localmente o mundo físico, as intenções, as emoções e os desejos de um experimentador não podem ser isolados completamente de resultados experimentais, mesmo em projetos experimentais controlados e cegos.

d) As mentes são aparentemente sem limites e podem unir-se de formas que sugerem Uma Mente unitária que inclui todas as mentes individuais e singulares.

e) As experiências de quase morte em paradas cardíacas sugerem que o cérebro atua como um transmissor/receptor da atividade mental, isto é, a mente pode trabalhar por meio do cérebro, mas não é produzida por ele (grifo nosso). As experiências de quase morte que ocorrem em paradas cardíacas adicionadas à evidência de médiuns de pesquisa sugerem mais uma vez a sobrevivência da consciência em seguida à morte do corpo e a existência em outros níveis da realidade que são não-físicos (grifo nosso).

f) Os cientistas não deveriam ter medo de investigar a espiritualidade e as experiências espirituais porque elas representam um aspecto central da existência humana.


16. A ciência pós materialista não rejeita as observações empíricas e o grande valor dos feitos científicos realizados até agora. Procura expandir a capacidade humana de melhor compreender as maravilhas da natureza e, no processo, redescobrir a importância da mente e do espírito como fazendo parte do tecido essencial e nuclear do universo. O pós materialismo inclui a matéria, que é vista como um constituinte básico do universo.


17. O paradigma pós materialista tem significados vastos. Altera fundamentalmente a visão que       temos de nós próprios, devolvendo-nos a nossa dignidade e poder como humanos e como cientistas. Este paradigma sustenta valores positivos tais como a compaixão, o respeito e a paz. Ao enfatizar uma conexão profunda entre nós e a natureza em geral, o paradigma pós-materialista promove também a consciencialização ambiental e a preservação da nossa biosfera. Além do mais, não é algo novo, mas apenas algo que foi esquecido durante 400 anos, que uma compreensão transmaterial vivida pode ser a pedra angular da saúde e do bem-estar como foi considerada e preservada em práticas antigas da mente-corpo-espírito, tradições religiosas e abordagens contemplativas (grifo nosso).

18. A mudança da ciência materialista para a ciência pós materialista pode ser de importância vital para a evolução da civilização humana. Pode ser ainda mais fulcral do que a transição do geocentrismo para o heliocentrismo.”



[1] É importante assinalar aqui que a palavra mind, utilizada na versão francesa, é "esprit" (espírito). (N. do A.)